sábado, 18 de junho de 2016

VIAGEM AO MUNDO DE DIONÍSIO (Julho de 2015)

Desde a estrada principal o caminho segue duas direcções. Seguindo pela esquerda atravessaremos um portão e provavelmente o caminho rural orlado pela vinha. Seguindo pela direita evitaremos esse caminho mais óbvio mas também mais directo. Optamos pela estrada de terra batida que se nos apresenta em frente, à direita. A casa que sabemos existir não se vê em lado algum. à esquerda os ombros emparelham com a latadas típicas da zona, constituídas pelo magros e negros pés das castas do vinho verde. Em frente o caminho parece não ter fim e apenas os montes cobertos por uma fina camada de algodão branco se vislumbram ao fundo. O terreno sobe um pouco e torna a descer. Mesmo a esta hora madrugadora está calor. Uma ligeira curva à esquerda, uma primeira construção de aspecto tosco, um barracão construído em granito com cobertura em telha. O aspecto de abandono é notório mas numa viagem clandestina ao passado todo o cuidado é pouco. O caminho segue a direito sem saber o que nos espera depois do barracão de granito. Finalmente, depois de atingirmos a esquina nordeste do barracão vislumbramos a velha casa rural abandonada, com a sua larga fachada de linhas austeras que nos encara. Não há um vidro em qualquer uma das janelas e no meio do terreiro coberto de vegetação rasteira uma velha carrinha de caixa aberta saúda a nossa insolente chegada. Eis a minha boleia. 






A casa, totalmente esventrada, é ainda usada pelos donos do terreno como depósito de materiais agrícolas e à sua esquerda uma capela isolada ergue-se em honra de Deus. Quem sabe um dia não terá sido utilizada para escutar as preces de um agricultor angustiado com a colheita desse ano? Dionísio, o Deus do vinho e dos excessos pode muito bem ter morado nesta casa sagrada nem que tenha sido por meros instantes.







A viagem segue o seu curso em direcção ao interior da grande casa rural. O Interior é austero e praticamente desprovido de mobiliário. Alguns cestos de plástico arrumados junto à escada de acesso ao piso superior, umas cadeiras e uma mesa, alguns objectos pequenos e a grande surpresa, uma mesa de bilhar onde fantasmas ébrios jogam todas as noites a dinheiro enquanto fumam e bebem vinho verde, claro está.














A viagem está longe de ser fabulosa mas não deixa de ser uma viagem ao mundo de Dionísio.







quarta-feira, 15 de junho de 2016

UMA VIAGEM AO PASSADO

Eu sou um passageiro clandestino. Viajo secretamente até ao passado em veículos que encontro abandonados por este país fora. Não é preciso combustível, não há necessidade de os mandar ao mecânico, nem sequer pagam imposto de circulação, mas eles estão em todo o lado e prontos a partir. Os seus donos abandonam-nos às centenas de milhar por este país fora mas a maioria das pessoas passa por eles sem reparar. Apesar de muitos deles serem enormes, belos e de possuírem linhas "vintage", é fácil de admitir que são viaturas fora de moda e que o lixo, as silvas, os escombros ou até os portões e os muros que os separam de nós, os escondem à vista de todos. Conduzir esses veículos até ao passado é o meu vício e um dia destes, temo eu, a minha némesis. Esses veículos são os edifícios abandonados que existem neste país.






















Unidades industriais, sanatórios, hospitais, teatros, centros comerciais, mansões, palacetes, solares, casas senhoriais e até troços de auto-estrada com praça de portagem e estações de rádio naval. Portugal, um país de parcos recursos, possuí uma quantidade quase inesgotável de edifícios abandonados prontos a deixarem-se conduzir até ao passado numa viagem de descoberta de toda a sua beleza escondida. 





Os portugueses, que choram e barafustam porque sobra mês no fim do dinheiro, adoram dar ares de novo-riquismo abandonando as pérolas do seu passado e construindo exactamente ao lado, lindos mamarrachos de mau gosto pois é preciso impressionar o vizinho e recuperar uma mansão dos anos 20 do século passado sempre sai mais caro do que construir uma nova maison em estilo “modernaço”, que é como quem diz, copiada de uma qualquer revista de decoração mas em versão low cost e com materiais da loja do chinês. Perdeu-se a técnica dos antigos mestres pedreiros, canteiros, funileiros e carpinteiros. A beleza das antigas expressões artísticas apuradas ao longo de séculos morreu mas ao menos a prima não se fica a rir.




Não se fica a prima a rir nem fico eu, mas até do abandono e da ruína é possível retirar horas de prazer re-descobrindo as histórias que se escondem dentro de pequenas casas, grandes mansões e enormes fábricas de cortiça ou de papel. 




Por trás de cada muro a cair há uma história por contar, sob um belo telhado de quatro águas totalmente arruinado há pessoas e passados que vale a pena conhecer. É a história desses muros, desses telhados, dessas pessoas, desses passados que recolhi ao longo das minhas viagens nesses locais exóticos que pretendo contar neste blog. 






Sejam bem vindos e cuidado com aquele grande buraco no soalho à esquerda.